instituto projetos ambientais, em revista

DESAFIOS AMBIENTAIS BRASILEIROS – NO QUE ACREDITA UMA PESQUISADORA AMBIENTAL (Entrevista)


Planejamento prático ou teoria ambiental:
como se mesclam os pensamentos científicos da
Drª. Rozely Ferreira dos Santos



A Drª. Rozely Ferreira dos Santos é autora do livro ‘Planejamento Ambiental: teoria e prática’ pela Oficina de Textos (2004), uma bíblia para os profissionais em planejamento e gerenciamento ambiental. Além de ser professora de aulas verdadeiramente desmistificadoras da complexidade ambiental e, fundamentais para a compreensão da ecologia profunda. É consultora ambiental em projetos de fundamental importância para a realidade do nosso país, como o do Parque Nacional da Serra da Bocaina. Ao estudarmos a biografia desta singular professora do departamento de Recursos Hídricos da Faculdade de Engenharia Civil e Arquitetura da Unicamp, tivemos um condicionante pela frente. Refletir muito para buscar questões ambientais atuais e desafiadoras para que Rozely Ferreira dos Santos aceitasse projetar o seu tempo e pensamento – como sempre faz no planejamento de projetos ambientais de real alcance e, funcionais para a qualidade do ecossistema que acreditamos mais a fascina – o humano.


E  N  T  R  E  V  I  S  T  A

Projetos ambientais: Olá Drª. Rozely, iniciamos nossa pauta com o seu pensamento conceitual, a partir de sua formação de base – é bióloga e parte para o desenvolvimento de sua carreira acadêmica, ora densa e consolidada, pela Ecologia, indo então para a identidade de seu trabalho que se centra na Gestão do Território, ou mesmo em Planejamento Ambiental, como a designação de área do conhecimento no grande guarda-chuva das ciências ambientais, se assim podemos chamar. De onde mesmo podemos partir para entender um projeto ambiental - da ecologia profunda, da modelação matemática, dos paradigmas da política? – quais as bases para se pensar em produzir a compreensão das ciências ambientais? Por onde iniciar este estudo?

Profª. Drª. Rozely SantosUm planejamento deve considerar todos os eixos que você está apontando: fundamentos da ecologia, paradigmas políticos, processos sociais, interesses públicos, valores socioculturais entre outros. Por essa razão ele deve ser transdisciplinar, para que múltiplos aspectos sejam absorvidos no contexto do planejamento. A questão mais crucial do planejamento técnico-politico, em minha opinião, é a descrição clara e detalhada dos objetivos. É por aí que se inicia. Muitas vezes, constatamos planejamentos que fazem enormes diagnósticos, com modelagens, estatísticas sofisticadas, delineamento de cenários futuros, mas sem objetivos claros, ou seja, um planejamento completamente inútil.


Projetos ambientais: O Livro de sua autoria “Planejamento Ambiental: teoria e prática” é sem dúvida um presente para estudiosos com formação em exatas, geologia, e naturalmente das ciências biológicas e ecologia. Em um concurso para docentes da UFabc, encontramos com colegas da área de geografia e sociologia que desabafaram ‘conhecemos o livro da Profª. Rozely, mas é um material difícil’ – o que a senhora pensa sobre o desafio de ter que desmistificar o meio ambiente sem de alguma forma desatrelar a abordagem sistêmica?

Profª. Drª. Rozely Santos: A abordagem sistêmica parte de uma linguagem bastante ampla, entendida pelas mais diferentes ciências, como a geografia, a psicologia, a biologia, a administração... mas confesso que há necessidade de se ter uma base conceitual forte sobre sua construção para poder entender sua aplicação. Como já dizia o biológo que elaborou seus princípios, von Bertalanffy¹, lá pela década de 1950, essa abordagem ajuda a transcender as análises individuais de cada ciência e integrá-las de forma a gerar uma interpretação única e plena, ou seja, o sonho de todo planejador. Não é fácil essa tarefa e ainda não temos exercitado planejamento ambiental o suficiente para derrubarmos as fronteiras que se impõem quando reunimos uma equipe com pesquisadores de diferentes linhas de conhecimento. Mais difícil ainda é quando tentamos passar esses princípios ou modelos integradores em sessões de participação pública. No entanto, cada vez mais eu percebo o progresso dos grupos em compreender o todo e as dependências recíprocas entre os fenômenos e as ciências – o tal de holístico está a caminho... (risos)


Projetos ambientais: Como nasce o método científico no trabalho ambiental – aberto mesmo sobre a mesa, exposto, e não apenas como gavetinhas do conhecimento tecnológico?

Profª. Drª. Rozely SantosPlanejamentos ambientais, tradicionalmente, vem usando métodos de outras áreas do conhecimento, como da administração, economia e recursos hídricos, que vinham ao longo da história desenvolvendo metodologias que integrassem informações de diferentes naturezas. Também se faz muitas pesquisas em universidades objetivando obter avaliações espaciais e temporais que podem dar respostas de manejo integrado. Porém, não há dúvida de que cada caso é um caso, ou seja, para cada planejamento você deve verificar os objetivos, as condições do lugar, do conjunto de informações disponíveis, do tempo para executar o planejamento, para então decidir sobre o caminho metodológico. Não costumamos usar “gavetas tecnológicas”, mas o conhecimento sobre os avanços tecnológicos que existem ou que são possíveis de serem aplicados no lugar são primordiais para a tomada de decisão.


Projetos ambientais: A senhora acredita em ‘nexo causal’ nas relações e integrações ambientais, tendo, por exemplo, as assumidas mudanças climáticas, ou mesmo a destituição de imensas áreas para monoculturas e as polêmicas, ora mais veladas, transformações de soja, milho e algodão em transgenia, ou ainda em uma hidrologia regional transformada?

Profª. Drª. Rozely Santos: Nós estamos cada vez mais esquecendo que o planeta Terra é formado por uma rede de interações entre os elementos da Natureza e o próprio homem, repleto de nexos causais. Essa rede é complexa e sensível e quando alterada em um ponto causa uma longa cadeia de efeitos que normalmente resultam em um resultado sinérgico – e costumeiramente trágico. É a complexidade natural e o equilíbrio da rede que permite desde o controle de pragas e de doenças até a atenuação das mudanças climáticas. Em escala local ou em escala global nós dependemos dos processos naturais que fazem parte desse complexo e que estamos intimamente relacionados para sobrevivermos. Não sei como o famigerado “desenvolvimento”, proveniente das extensas interferências humanas, poderá servir-nos se não pudermos usufruir de seus benefícios econômicos, uma vez que estaremos preocupados em livrar-nos das doenças ou da falta de água potável ou da temperatura insuportável para o nosso organismo e para as próprias monoculturas, que virão, sem dúvida, em função das interferências insensatas do homem nas cadeias naturais.


Projetos ambientais: Onde nasce o Planejamento Ambiental dentro do conhecimento científico ambiental? Ordenamento territorial é diferente de Planejamento Ambiental? Como explicar essas aplicações que às vezes levam profissionais a confusões conceituais? E mesmo a gestão ambiental.

Profª. Drª. Rozely Santos: Planejamento é muito, muito antigo. Ele vem adjetivado como ambiental em função da preocupação com o meio e a saúde das pessoas, que se inicia depois da Revolução Industrial e se fortalece nas décadas de 1960 e 1970. Porém, a base teórica sobre planejamento e até mesmo as metodologias integradoras mais básicas, usadas até hoje em Estudos de Impacto Ambiental, por exemplo, já existiam. Em uma questão anterior, eu já citei que a abordagem sistêmica adotada pelo planejamento advém da sua descrição na década de 1950. Nada é muito novo ou original na base conceitual do planejamento ambiental. O que está acontecendo é uma evolução de conceitos e métodos. Ordenamento territorial é uma expressão bastante usada pela Escola Espanhola de planejamento até hoje. Porém, a palavra ou mesmo o conceito não foi aceita por muitos pesquisadores, em virtude da proposição de que “ordem” é sinônimo de “equilíbrio”. O mesmo se dá com os conceitos gerenciamento e gestão. A literatura é muito confusa, pois cada área do conhecimento tem sua própria concepção. Posso citar, por exemplo, o SGA (Sistema de Gestão Ambiental) que define planejamento como uma fase do sistema. Outros autores definem gerenciamento como sinônimo de gestão, mas alguns gestores americanos, por exemplo, garantem que gerenciamento é a execução das propostas apresentadas no planejamento, ou seja, são atividades e responsabilidades distintas entre si. Assim, é muito importante que o estudante entenda as diversas concepções.


Projetos ambientais:Como se pode localizar segmentos profissionais dentro das ciências ambientais – a Universidade Brasileira hoje está preparada para formar profissionais com essas bases conceituais distintas – ao papel de um ecólogo, um biólogo ou um engenheiro?

Profª. Drª. Rozely Santos: Não, ainda não estamos preparados. Planejamento ambiental é normalmente ensinado em pós-graduação, como uma disciplina de alguns créditos. Somente em algumas universidades, como a USP Leste e a ESALQ, temos Gestão Ambiental como formação de graduação e, então, planejamento ambiental tem força como matéria e se apresenta desdobrada em diversas disciplinas. Apesar desse avanço nessas Escolas, não há reconhecimento oficial desse profissional, como ocorre com um biólogo com seu CRBio ou engenheiro, com seu CREA. Isso atrasa ou dificulta a evolução e a formação do profissional.


Projetos ambientais: O dia-a-dia profissional em muitas oportunidades nos revela colegas com alguma formação, políticos e mesmo outros profissionais com gabarito – mas que nem sempre aplicam o conhecimento Técnico ou Científico em detrimento dos recursos naturais. Como lidar com essa retórica? Um cientista ambiental sofre muito com as ocasiões de impotência?

Profª. Drª. Rozely Santos: Reconhecemos que os resultados técnicos de um planejamento ambiental, por melhor que sejam, raramente são aplicados em número e espécie. A sensação de impotência diante das pressões acontece diariamente na vida de um planejador. No entanto, devemos refletir que, se nosso estudo tecnicamente correto não convenceu é porque provavelmente falhamos em alguma fase do processo: na comunicação com os atores sociais envolvidos, na articulação política, na interpretação dos interesses locais, nos laços com a comunidade, na ausência de um trabalho prévio para gerar pré-conhecimento junto aos grupos sociais de forma que eles entendam a gravidade dos fatos que apresentamos, e assim por diante. Planejamento não é só levantamento de dados e aplicação de metodologias. É muito mais que isso. As vezes ficamos demasiadamente preocupados com os conceitos e métodos científicos, com um diagnóstico perfeito, e esquecemos o quão grande é o processo como um todo. Enfim, não somos, obviamente, os únicos responsáveis pelas decisões tomadas, mas temos uma parcela imensa de responsabilidade sobre as decisões.


Projetos ambientais: Depois de “Planejamento ambiental: teoria e prática” de sua autoria e, um marco conceitual nas ciências ambientais do Brasil, o que podemos esperar para o prelo?

Profª. Drª. Rozely Santos: Fizemos um livro depois desse, que eu me orgulho muito. Sou somente a organizadora do livro. As pessoas que escreveram são pesquisadores e planejadores admiráveis. Chama-se Vulnerabilidade Ambiental: desastres naturais ou fenômenos induzidos? Ele é uma reflexão sobre os principais problemas brasileiros e foi escrito com o intuito do leitor nivelar conceitos, interpretar dados e saber aplicar metodologias básicas. A proposta foi do Ministério de Meio Ambiente, que queria ter um material técnico disponível para os gestores municipais. É um material de pré-preparo para audiências públicas ou oficinas de planos de manejo, por exemplo. Ele é de graça: está disponível na Internet, no site do Ministério. Atualmente estou revisando o conteúdo do livro Planejamento, para atualizá-lo e traduzi-lo para o inglês. Estamos também com um projeto de fazer um livro sobre Ecologia de Paisagens, cujo organizador será Jean Paul Metgzer, da USP.


Projetos ambientais: Professora, e o Brasil? Estamos indo em que direção na pauta ambiental – nesses tempos de Copenhague, propostas de alterações no Código Florestal e enchentes catastróficas – o planejamento ambiental conceitualmente, nesta atualidade, deve permear o urbano?

Profª. Drª. Rozely Santos: Na área ambiental o Brasil é um país caótico, de decisões que não se casam. Vou dar alguns exemplos. De um lado, apresentam-se atos legais ambientais rígidos, que impedem pequenos agricultores de ter uma roça, de consertar o telhado de sua casa e de outro se altera o Código Florestal para felicidade de uns poucos. Junto a isso, defende-se o pagamento para outros fazerem seu papel de cidadão e garantirem as matas ciliares em suas propriedades. A cada ano ampliam-se as UC (Unidades de Conservação), em número, tipos e tamanhos. Ao mesmo tempo, ocorrem audiências e mais audiências que objetivam fazer barragens dentro delas, passar estradas, linhões e dutovias, derrubar Unidades muito bem estabelecidas, e assim por diante. Implanta-se uma UC, conflitos sociais tremendos são gerados, se gasta uma fortuna fazendo um plano de manejo com a participação da comunidade para minimizar os conflitos, decisões de consenso são tomadas a duras penas e nada é implementado. Nem mesmo as propostas de proteção, fiscalização e monitoramento dessas UC, que supostamente deveria ser de grande interesse do Estado acontecem. Essas são as questões que devemos refletir e trabalhar, como planejadores, pesquisadores e cidadãos.


Projetos ambientais: Quer deixar alguma dica para novos profissionais que desejam integrar equipes e projetos ambientais?

Profª. Drª. Rozely Santos:
"Não desistam, jamais, diante das contradições e críticas. Otimismo, paciência e bom humor são imprescindíveis nessa carreira!"



Vegetação de Mata Atlântica, típica na Serra da Bocaina.
Fonte: www.feriasbrasil.com.br/rj/bocaina

¹ A Drª Rozely Santos se refere a Teoria Geral de Sistemas, que foi proposta em meados de 1950 pelo biólogo austríaco Ludwig von Bertalanffy. A pesquisa de von Bertalanffy foi baseada numa visão diferente do reducionismo científico até então aplicada pela ciência convencional. Dizem alguns que foi uma reação contra o reducionismo e uma tentativa para criar a unificação científica.

------------------------------------------------------------------Entrevista por e-mail em Abril de 2010.

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