instituto projetos ambientais, em revista

ENTREVISTA - O projeto 'Pro-Civitas' em matéria exclusiva, destacando a autonomia e auto-organização nos ecossistemas humanos



Série Cidades - Presidente da 'Pro-Civitas' mostra experiência e persistência para o sucesso em projetos




Nesta oportunidade o Blog Projetos Ambientais recebe Juliana Renault Vaz - após conhecê-la virtualmente e pela entrevista de sucesso cedida a TV Cultura, em que fala da experiência de um projeto urbano na capital Belo Horizonte – especialmente com ações ambientais nos Bairros São José e São Luís. Juliana é presidente da Pro-Civitas - entidade criada a partir da organização voluntária dos moradores dos bairros, que versa sobre a defesa do patrimônio, do meio ambiente e pela qualidade de vida. Seja bem-vinda ao Blog Projetos Ambientais!

Projetos Ambientais:
Olá Juliana, obrigado por ter aceitado o convite; o Blog Projetos Ambientais tem o objetivo de traduzir ideias e sobre projetos voltados às ciências ambientais para profissionais e interessados. Assim, podemos considerar a criação da Pro-Civitas um projeto? Fale-nos sobre essa ideia.

Juliana Renault Vaz:
Sim. Acredito que, por trás de uma “criação”, há sempre um objetivo, um plano, que são o mesmo que um projeto. Os moradores que se mobilizaram inicialmente estavam preocupados com a visível deterioração dos bairros e de seu entorno, e objetivavam tentar impedir ou ao menos dificultar e minorar a especulação imobiliária, que se traduz em perda de qualidade de vida e dano à cidade.

Projetos Ambientais:
Ou seja, a Pro-Civitas é uma entidade voltada às premissas de monitorar a urbanização desta região (bairros São Luís e São José) de Belo Horizonte? Como funciona a operacionalização do projeto de vocês.

Juliana Renault Vaz:
Sim. Hoje mais organizados, temos diretorias que tratam de assuntos separados, e uma sede com uma secretária. Nossa sede funciona como uma “central”, que recebe informações dos moradores acerca de problemas por eles enfrentados com relação a obras, falhas na administração pública, desrespeito a legislações de trânsito, buracos nas ruas, falta de segurança, enfim, tudo! E nós os repassamos aos órgãos cujas incumbências são resolvê-los, muitas vezes através da Secretaria Municipal Regional da Pampulha, para buscarmos as soluções e viabilizá-las.

Projetos Ambientais:
É muito interessante quando a sociedade se organiza em prol da qualidade de vida, e não apenas esperar a representação do poder público nas intervenções urbanas. Todavia, a prefeitura tem obrigações intransferíveis; como se dá a relação da Pro-Civitas com o governo municipal e até que ponto esta organização se mantém independente nas suas ideias, e no cumprimento dos instrumentos de gestão urbana, como é o caso do plano diretor?

Juliana Renault Vaz:
A relação da Pro-Civitas com o governo municipal (e estadual) é completamente independente, e a mais cordial possível, variando muito conforme seus administradores, sejam eles prefeito, secretários ou gerentes de áreas específicas, promotores estaduais, etc. Entretanto, nossa política ainda tem muito o que evoluir, pois apenas engatinhamos no exercício de uma verdadeira democracia. Explico melhor: a) Nossa população é ainda muito alheia à participação na política dos governos (seja pela história relativamente recente da democracia, ou pelo limite desestimulante do alcance desse exercício de cidadania, ou até mesmo por sua limitação – formação cultural, disponibilidade de tempo, etc); e, b) Nossos políticos ainda não assimilaram bem o que é uma verdadeira democracia (na minha opinião). Depois de oito anos de experiência em meu trabalho, percebo claramente a falta de consideração dos políticos com a população – muitos ainda vivem os resquícios de autoritarismo, coronelismo, “politicagem”, vividos desde nossa época de colonialismo, preterindo reais interesses, necessidades e reivindicações do coletivo, da população que representam. E desempenhando suas funções sem diálogo e proximidade com seus representados. Em Belo Horizonte, por exemplo, o transporte público de qualidade é assunto absolutamente preterido.

Com relação à Pampulha, atualmente percebemos uma diminuição na autonomia da Regional e uma piora na qualidade dos serviços prestados, em limpeza pública (reciclagem é assunto sobre o qual nem se discute, campanhas de limpeza inexistem), controle de zoonoses, fiscalização de obras, poluição sonora; Mato cresce nas ruas e o assoreamento e poluição da lagoa aumentam assustadoramente. Imaginem a quantidade de reclamações recebidas por nós diariamente! E o quanto trabalhamos para tentar encontrar meios de cobrar dos responsáveis a solução exigida...

Temos recorrido ao Ministério Público e à Justiça, numa tentativa de conseguirmos defender nossos interesses, mas há que se ter muita perseverança e apoio da imprensa para que alguns pequenos progressos sejam alcançados. Os poderes não são totalmente independentes e colecionamos muitas frustrações, infelizmente, apesar de muito trabalho, vocês não imaginam.

Projetos Ambientais:
Para tanto, a sua formação ou da equipe da Pro-Civitas se relaciona com o ideario do projeto; ou vocês são moradores organizadores e quando necessário buscam consultorias? Enfim, nos explique melhor sobre a exeqüibilidade da questões, neste tempo de existência da Pro-Civitas (2003)?

Juliana Renault Vaz:
Essa é uma boa pergunta!!

Todo começo é muito difícil, principalmente quando se têm políticos que são, de certa forma, muito arrogantes (justifico o que digo, para evitar julgamento equivocado de minha afirmativa: colecionamos DEZENAS de cartas protocoladas e mensagens eletrônicas enviadas, a executivo ou legislativo, para as quais JAMAIS recebemos sequer uma resposta. Lógico que há exceções, (mas falo do geral) e não estão acostumados a atender ou a dar uma satisfação àqueles que os elegeram.

Logo na época de sua criação, a associação (pro-civitas) participou da “Conferência Municipal de Políticas Urbanas”, cujas discussões, já avançadas, aconteciam havia algum tempo. Contatamos então um doutor em Urbanismo de São Paulo sobre quem eventualmente líamos em jornais de SP, diretor de um escritório freqüentemente contratado pelo município para projetar difíceis soluções urbanísticas para a cidade (autor de livros, ex-secretário municipal de planejamento urbano, professor da USP, e também membro de associação de bairro), que, apesar de sua vasta experiência e grande reputação, aceitou nosso convite para visitar e opinar sobre a Pampulha. A partir de sua opinião, e tentando priorizar a manutenção da qualidade de vida dos moradores, defendemos os interesses de nossos representados na Conferência, mas eles não foram sequer considerados pelo Poder Público.

Na Conferência seguinte, para cuja eleição de delegados houve um grande tumulto promovido por um movimento de “sem-terras”, e em julho de 2010 o atual prefeito de Belo Horizonte sancionou uma lei que contraria, em muito, nossos interesses, retirando lotes e partes de quadras da Área de Diretrizes Especiais (já não tão “especiais” assim depois das mudanças da Conferência anterior). Desde sua posse tentamos agendar uma reunião com ele, mas ainda não conseguimos ser recebidos por nosso prefeito.

Há professores da UFMG que nos assessoram, pontualmente, em assuntos em que são especialistas (limnologia, poluição sonora, urbanismo), e outros profissionais que fazem parte da associação (segurança, trânsito, educação, marketing, informática, área jurídica, etc.) também nos ajudam quando podem.

Projetos Ambientais:
Como você (s) pensa (m) o processo de metropolização das cidades? Os complexos problemas urbanos podem ter soluções sustentáveis como é o caso dos bairros que estamos falando e de sua atuação? O quão difícil é essa relação teórico-prática entre a idéia no papel (a ideia/as reuniões) e as ações?

Juliana Renault Vaz:
Acredito que sim, mas estamos absurdamente distantes do alcance desse tipo de meta (a Sustentabilidade). Julgo-a de extrema importância, mas as prioridades são tantas e suas exeqüibilidades tão lentas, que não consigo antever quando começaremos a levá-la em conta.

Apenas como exemplo, cito a questão da coleta seletiva, que considero enorme prioridade e algo de facílima implementação, com benefícios grandes e rápidos para a cidade. O que tem sido feito em Belo Horizonte nesse sentido? A Pampulha tem caminhão e funcionários ociosos, com moradores pleiteando a coleta, além de cooperativas (mais de uma) próximas, e sequer consegue ser atendida nisto! Difícil crer, não acha?

Projetos Ambientais:
Buscando outro ponto de vista, a gestão de um bairro dirigida por seus moradores, ou seja, sua independência em termos de limites aos bairros circunvizinhos, não os torna restritos em termos de socialização? - O que se quer dizer é que os postulados construtivos-sustentáveis preconizam o fundamento “sem muros” – ou seja, cada vez que se fecha mais a moradia, mais distante se está do grupo humano. Como acontece na sua experiência?

Juliana Renault Vaz:
Vejo aí duas perguntas diferentes. Responderei ao que entendi:

Minha experiência com relação aos limites com os bairros circunvizinhos é ótima, e essa foi sempre uma grande preocupação da Pro-Civitas: expandir o alcance de seu trabalho unindo forças com moradores próximos ou até mesmo distantes de nossa área de atuação. E essa relação foi sempre muito gratificante. O prof. Cândido Malta (urbanista de SP que mencionei anteriormente) fundou o chamado “Movimento Defenda SP”, e sonhava expandí-lo. À época de sua vinda a BH, iniciamos o “Movimento Defenda BH”, e mais de 50 associações de bairros de nossa cidade se reuniam, com certa regularidade, para discutir problemas, soluções e reivindicar, com mais força, a atenção do Poder Público aos pleitos apresentados.

Foi incrível constatar que, apesar das diferentes características de cada bairro e de seus moradores (geográficas, custo de lotes, nível social, localização, etc.), os problemas eram parecidos e as reivindicações similares. E as queixas contra alguns representantes do executivo e do legislativo, idênticas!

Infelizmente, deixamos o movimento enfraquecer, mas precisamos voltar ao trabalho juntos porque não há dúvida sobre o quanto é verdadeira a afirmação de que “A UNIÃO FAZ A FORÇA”.

Com relação ao “fechar a moradia”, aprendemos com os urbanistas sobre a importância dos espaços públicos de convivência. Mas, acho que a questão da segurança é um problema que dificulta essa utilização dos espaços públicos, além da inexistência da manutenção regular necessária para que eles sejam atraentes (cuidados, limpeza, etc), e da mudança dos hábitos das pessoas nos últimos tempos (a arquitetura tem projetado residências que fazem com que os moradores se isolem da convivência externa)

Projetos Ambientais:
É engano, ou em sua entrevista (a da TV Cultura) faz colocações sobre o urbano e o desenvolvimento sustentável? Como as moradias de seus (na dimensão da Pro-Civitas) bairros se relacionam com preceitos ecológicos – em termos de água, energia, lixo, outros. (o processo de adaptação, da consciência ambiental)

Juliana Renault Vaz:
Acho que infinitamente mais atrasada do que sonhamos alcançar. Essa consciência tem que ser trabalhada; é uma questão meio cultural, de educação, e estamos muito atrás de outros países. O governo deve ter uma participação grande nesse trabalho, exigindo, educando, punindo, promovendo campanhas, etc. Percebo uma evolução significativa no material didático utilizado pelas escolas hoje, se compararmos a dez anos atrás, apenas. Mas, muito mais nos livros do que no dia-a-dia das escolas, pois não as vejo se comportando como modelos, nem dando o esperado exemplo, nem exigindo, nem punindo (palavra tão temida hoje por causa de implicações jurídicas...). Temos uma parceria com as escolas dos bairros, mas a continuidade de esforços se interrompe. Há que se trabalhar mais isso aí!

Projetos Ambientais:
O que mudou do ponto de vista técnico, em seus pensamentos, de antes e após esta experiência em participar de um grupo que se organizou para melhorar a qualidade de vida e do ambiente de sua região? Há um resgate aí implícito do conceito de cidadania (?), do postulado de que meio ambiente é sair do “eu” para o “nós”, e que os conflitos entre moradores só trazem mais conflitos - enfim, conte para nossos leitores sobre as respostas desta experiência positiva.

Juliana Renault Vaz:
Bem, sobre o ponto de vista técnico, posso dizer que havia uma certa insegurança dos representantes da Pro-Civitas com relação ao que seria o correto para todos os cidadãos de Belo Horizonte, e se a conservação do ambiente e da qualidade de vida de nossa região era um trabalho egoísta ou radical, pois ainda é o que se ouve de alguns servidores municipais e/ou moradores de outras partes de cidade (que hoje acreditamos fazer parte de grupos com interesses econômicos na nossa região).

Mas, após tantos anos de vivência nesse meio, convivendo com líderes comunitários de tantas regiões da cidade, de SP, com políticos, participando de conferências, debates, reuniões, participando de seminários sobre urbanismo, viajando, conclui-se que Belo Horizonte sofre as conseqüências da total falta de planejamento sério, para um longo prazo, e que a mobilidade urbana está se inviabilizando em algumas partes de nossa cidade.

Discordo de sua afirmativa de que “os conflitos entre moradores só trazem mais conflitos”, pois qualquer morador que perceba que se faz um trabalho sério, com planejamento para atender as necessidades do coletivo e melhorar a cidade, fica muito feliz com essa iniciativa (principalmente porque não estamos acostumados a ver isto).

Com relação ao resgate da cidadania, considero esse processo lento, talvez mais ainda entre os mineiros, desconfiados e comodistas. A Pro-Civitas, entretanto, gradualmente ganha a confiança dos moradores que representa, pois se esforça para atendê-los sempre!

Nota do Blog: Em Planejamento Ambiental, área da ciência que atua em regiões com mínima ou nenhuma interferência antrópica, há a preposição de que os conflitos são bons, podendo surgir como caminhos para soluções e tomadas de decisões.

Projetos Ambientais:
Em sua opinião onde reside a ineficácia do poder público no desenvolvimento sustentável local (quanto ao urbano). Ou você considera o governo municipal sempre eficiente (no caso do seu projeto)?

Juliana Renault Vaz:
Não. São vários os pontos onde reside a ineficácia do poder público. Listo os principais:

a) Troca de equipes de trabalho a cada 4 anos, o que causa a perda da continuidade dos trabalhos. Há ainda grande ”politicagem” para ocupar os cargos, loteados por políticos e partidos que, em sua maioria, desconhecem a região, seus problemas, o cargo que ocuparão e mesmo as tarefas que desempenharão. Começando por aí, quais as reais chances de um trabalho profícuo?

b) Os políticos tentam (nem sempre) trabalhar um consenso de interesses. Na maioria das vezes, o econômico tem prevalecido. A especulação imobiliária é a grande vilã das cidades no Brasil, e traz, em seguida, a degradação dos locais por onde ela passou... Portanto, há que se ouvir o que querem construtores, comerciantes e também moradores, mas há que se planejar a cidade com arquitetos urbanistas, técnicos em tráfego, esgotamento sanitário, mobilidade, etc.

c) Especificamente no caso da Pampulha, infelizmente temos visto pouca eficiência: o problema da lagoa só se agravou, e muito, nos últimos 8 anos; lutamos com poluição sonora, fiscalização de obras, etc.

A presidente da Pro-Civitas Juliana Renault Vaz - formada em administração de empresas com êfanse em comércio exterior, se despede,
A Pro-Civitas e os moradores que representa agradecemos pela oportunidade de participarmos de seu importante trabalho. Estamos à disposição, e fazemos votos de que seus leitores nos ajudem na divulgação do trabalho da associação, e a expandir seu alcance, seja na conscientização dos cidadãos, seja na conquista de parceiros, enfim, propagando o bem e a qualidade de vida do belo horizontino.  Um abraço!

Para saber mais sobre o Projeto 'Pro-Civitas' é só clicar:



Iate clube e cassino da Pampulha


Formato original da Lagoa da Pampulha, região onde atua a Associação Pro-Civitas

Nota do blog: O conjunto arquitetônico da Lagoa da Pampulha é de autoria de Oscar Niemeyer, tendo se tornado referência para a Arquitetura Moderna Brasileira. 

Entrevista realizada por e-mail, período maio/junho de 2011

Crédito da foto 1: http://www.arquiteturamodernacapixaba.hpg.ig.com.br/introd-AMB.html (croqui geral da Pampulha)
Crédito da foto 3: fotos de Bruno BHZ (2002) em skyscrapercity




A lógica interna da Agricultura Familiar - parte 1

Da Agricultura Familiar ao Direito Ambiental

clique na foto: mundo orgânico


Parte 1 – A agricultura familiar

É de uma aula da Profª. Dra. Sônia Maria Pereira Pessoa Bergamasco a frase: “A agricultura familiar possui uma lógica interna”; ao sentido de explicar sobre a existência deste segmento agrícola, temporal e sustentavelmente. A Professora e doutora, autora do livro ‘Sistemas Agroalimentares: análises e perspectivas para a América Latina’ é uma autoridade em agricultura de pequenas propriedades e comportamentos de assentamentos rurais. Nas suas aulas entende-se a história da agricultura desde os fundamentos do campesinato e suas formas de expressão, aos atuais novos modelos de organização agrícola em formatos não patronais. Esta é a referência para esta postagem.

A agricultura familiar é um modelo de organização diferente da agricultura patronal, justamente por não diferenciar trabalho e gestão. As relações desenvolvidas na agricultura familiar englobam elementos sólidos da relação entre o trabalho agrícola e sua gestão – como a característica de envolver personagens das famílias e valores éticos e histórico-culturais, ao solo e espaço agrícola. Possivelmente apenas um nuance nas explicações categóricas da professora Dra. Bergamasco.

De acordo com Embrapa (2004), a chamada agricultura familiar constituída por pequenos e médios produtores representa a imensa maioria de produtores rurais no Brasil. O segmento detém 20% das terras e responde por 30% da produção global.Em geral, são agricultores que diversificam os produtos cultivados para diluir custos, aumentar a renda e aproveitar as oportunidades de oferta ambiental e disponibilidade de mão-de-obra.
O Censo agropecuário (2006) registra que 60% dos alimentos consumidos pela população brasileira são produzidos por agricultores familiares. No Brasil, a agricultura familiar é responsável pela produção de 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo e, na pecuária, 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves e 30% dos bovinos. Sendo que 84,4% do total de propriedades rurais do país pertencem a grupos familiares. São aproximadamente 4,4 milhões de unidades produtivas, sendo que a metade delas está na Região Nordeste.
Este segmento tem um papel crucial na economia das pequenas cidades - 4.928 municípios têm menos de 50 mil habitantes e destes, mais de quatro mil têm menos de 20 mil habitantes. Estes produtores e seus familiares são responsáveis por inúmeros empregos no comércio e nos serviços prestados nas pequenas cidades. A melhoria de renda deste segmento por meio de sua maior inserção no mercado tem impacto importante no interior do país e por consequuência nas grandes metrópoles.

É em torno da agricultura familiar que, nos países capitalistas centrais, organizou-se o desenvolvimento agrícola. Mesmo num país marcado pela força do latifúndio e pelo peso social de milhões de estabelecimentos que, de fato, são pequenos sob o ângulo de sua participação na oferta agrícola, há um segmento importante de agricultores familiares cuja expressão econômica é muito significativa e em alguns casos até majoritária.

Alguns pressupostos formam o que no paradigma da sociologia chama-se "tipo ideal" que serve para estabelecer uma síntese do comportamento da agricultura familiar:
- A gestão é feita pelos proprietários.
- O trabalho é fundamentalmente familiar
- O capital pertence à família
- O patrimônio e os ativos são objetos de transferência intergeracional no interior da família.
- Os membros da família vivem na unidade produtiva

O desafio maior é organizar seu sistema de produção a partir das tecnologias disponíveis com o objetivo de ganhar escala e buscar nichos de mercado, agregar valor à produção e encontrar novas alternativas para o uso da terra como, por exemplo, o turismo rural, garantindo também durabilidade dos recursos naturais e na qualidade de vida da família e o fortalecimento da agricultura
Justamente a lógica interna da agricultura familiar é que a torna um formato sustentável, todavia nas interações com os recursos naturais, com a disponibilidade hídrica e com a preservação e equilíbrio entre produtividade e vegetação.

Isto, pois, para justificar que não é a agricultura familiar a interessada direta em mudanças em um dos maiores instrumentos legais que protege a vegetação brasileira – o Código Florestal de 1965.
As formas de uso do solo pela característica familiar é tão remota quanto o próprio Código Florestal (muito além) – oportunamente criticado e então, passível de mudanças, por estar obsoleto. Estará também a agricultura familiar assim? A resposta clara é não, até porque esta agricultura é a maior mantenedora (como modelo agrícola possível) do uso sustentável dos recursos naturais. A família integrada ao processo de gestão na agricultura torna, naturalmente, o processo de sustentabilidade próximo da realidade do futuro (desejável).
Faz-se assim esclarecer que o paradoxo de anistiar desmatadores (pela nova proposta aprovada na Câmara de Deputados; fazendo legal as produções em áreas de Reserva Legal e APPs) e desregulamentar as Áreas de Preservação Permanente (APPs) é senão uma proposta oriunda da agricultura patronal, não da agricultura familiar.

Dar instabilidade a existência das florestas, assim como atingir as cidades, com insegurança para gerenciar áreas de riscos em encostas e morros – o que está nesta proposta de reforma do Código Florestal é originário dos segmentos mais primitivos do setor (em sentido amplo). Entenda-se ‘primitivo’ como os segmentos (personagens) que não estão alinhados às ocorrências do presente, como as mudanças climáticas e o paradigma da Sustentabilidade. Expondo assim a própria cadeia agrícola a intempéries e efeitos de incertezas; como por exemplo sobre a disponibilidade hídrica.

A lógica interna da Agricultura Familiar - parte 2

Da Agricultura Familiar ao Direito Ambiental

                                                      foto: http://mundoorgnico.blogspot.com


Parte 2 – O direito ambiental e a insegurança jurídica

Um jurista consagrado, de carreira e ex-ministro da fazenda afirmou no Jornal Folha de São Paulo de 26 de Junho de 2011 que se a agricultura brasileira não conseguir sustentar a impressionante trajetória das últimas décadas, será devido à incapacidade de resolver com inteligência o desafio do meio ambiente.
Diz ainda “essa mesma desproporção entre esforços de preservação e resultados precários, geralmente revertidos logo depois, caracteriza o panorama de desolação em todas as regiões e em todos os biomas: mata atlântica, caatinga, Amazônia, cerrado, árvores de Carajás convertidas em carvão para o ferro-gusa.” “ O choque da devastação em Mato Grosso (Estado brasileiro) estimulada pelo projeto de lei aprovado na Câmara ( o novo Código Ambiental a substituir o Código Florestal de 1965) provocou a mobilização do Governo em verdadeira operação de guerra. O resultado foi pífio: a destruição apenas se reduziu marginalmente.”

Vejamos a história brasileira, sobre meio ambiente, desde a legislação da época colonial (alguns pontos para entender se o processo político (a parecer primitivo), está atualizando ou desatualizando, com está absurda proposta, votada pelos deputados, de reforma do código florestal):
Em CARVALHO (2001):
- Carta Régia de 27 de abril de 1442 que previa a possibilidade de incêndios em florestas e Ordenação de Afonso IV de 1393 que proibia o corte de árvores – legislações que cobriam diferentes aspectos da vida social e ênfase em recursos naturais. Sobre as florestas:
O que cortar árvores de fructo, em qualquer parte que istiver, pagará a estimação della ao seu dono em tresdobro. E se o dano assi fizer nas árvores for valia de quatro mil reis, será açoutado e degradado 4 annos para a Africa. E se for valia de 30 cruzados, e dahi para cima, será degradado para sempre do Brasil.”

Sobre as queimadas:
As queimadas foram encaradas com extremo rigor. E, com astúcia, ao proibir o aproveitamento dos restos de uma queimada, desestimula-se os queimadores. Defendemos que nenhuma pessoa, de qualquer qualidade e condição que seja, ponha fogo em parte alguma; e pondo-se fogo em algum lugar, de que se possa seguir dano, acudam e façam a elas acudir como muita diligência, para prestes se haverem se apagar, fazendo para isso os constrangimentos, que lhes necessários parecerem. ”

E porque alguns, por caçarem nas queimadas, ou fazem carvão, ou pastarem com seus gados, põem escondidamente fogos nas matas,para se poderem aproveitar das queimadas e porque não se sabe quem o fez,não são castigados; mandamos, que possa alguma, não cace queimada, do dia que se foi posto o fogo, de que se seguio algum dano, a trinta dias, nem entre nela a pastar com seu gado até a Pachoa florida, e carvoeiro algum não faça nela carvão, até dous annos.”

Sobre os Recursos Hídricos:
“ E pessoa alguma, não lance nos rios e lagos,em qualquer tempo do anno, trovisco (planta venenosa), barbasco (planta alcalóide), cal, cocca, nem outro algum material com que se o peixe mata e quem o fizer, sendo fidalgo ou scudeiro ou dahi para cima pela primeira vez que seja degradado por hum anno para a Africa e pague três mil reis (...). E sendo de menor qualidade, seja publicamente açoutado com baraço e pregão oque assim havemos por bem se não mate a criação do peixe, nem se corrompa às águas dos rios e lagos, em que o gado bebe.”

O tempo passou. Chega-se ao Direito Ambiental. Tido como um ramo dos Novos Direitos nesse século XXI.
É mister portanto situar a questão do direito ambiental, do ponto de vista teórico, num núcleo de questionamentos que envolvem:
1) as relações interpessoais (e não somente entre pessoas, como também entre classe sociais);
2) as relações entre a sociedade e o aparelho estatal;
3) as relações entre as nações e;
4) as relações entre nações, enquanto sistemas político-ideológicos e econômicos distintos. Tais fatores confluem para darem as características do Direito Ambiental.

No texto de Carvalho (2001), mais adiante, questiona-se;
“Mas não terá sido esta a própria essência da evolução da ciência jurídica? Eis o que ensina Von Lhering no seu ensaio: “Sempre que o direito existe esteja escudado pelo interesse,o direito novo terá de travar uma luta para impor-se, uma luta que muitas vezes dura séculos, e cuja intensidade se torna maior quando os interesses constituídos se tenham corporificado sob a forma de direitos adquiridos. Sempre que isto aconteça, cada uma das facções que se defrontam ostentam em seus estandartes a divisa da majestade do direito. Um invoca o direito histórico, o direito passado,outrao direito sempre em formação e constantemente rejuvenescido,o direito inato da humanidade à renovação incessante.”

Para se entender o Direito Ambiental se deve fundamentar as definições distintas de direitos coletivos e direitos difusos. E é sabido que o Direito Ambiental é imperiosamente um direito de antecipação. Seu objetivo primacial é prevenir o dano, antes que corrigi-lo.
E o conceito especial, dos princípios éticos. Igualmente discutir a questão relativa ao direito e uso da propriedade, que atinge tanto o meio rural como urbano. Nesse ponto se coloca a questão axiológica do Direito Ambiental. Ele questiona os valores de uma sociedade que elegeu o lucro como razão tutelar de ser. Faz-se oportuno o Direito Ambiental ser tratado como tutelar de um novo juízo de valor.
Carvalho (2001) discorda de respeitáveis entendimentos sobre a autonomia do Direito Ambiental. Alega que o maior desafio que se coloca à aceitação do Direito Ambiental como disciplina autônoma está em alguns pontos:
- É um direito de caráter horizontal;
- Faltam-lhe princípios jurídicos e métodos próprios;
- É um direito disperso nas várias regulamentações.
Defende que não há pois possibilidade de normas estanques , no sentido de que uma formulação no campo civil ou penal, por exemplo, deixe de fazer sentir, ainda que indiretamente,sua influência em outras áreas da vida social, que não somente aquela específica para a qual originariamente foi elaborada. E se isto é verdadeiro em relação aos chamados direitos tradicionais do Direito, por que haveria de ser diferente para o Direito Ambiental?

Voltamos assim, à polêmica reforma do Código Florestal (2010-2011), onde as críticas vieram das próprias comunidades científicas – alertando para a insensatez da proposta de reforma, indo aos próprios segmentos de legalidade, alertando sobre insegurança jurídica e vários pontos que serão retrocedidos na histórica conquista de evolução ambiental brasileira.

As respostas no campo foram imediatas, em aumentos expressivos do já expressivo processo de desflorestamento, às guerras dilaceradas em primitivos conflitos com perdas civis.
Ora, como fica assim o Direito Ambiental? É uma disciplina com autonomia? O novo Código votado pelos deputados emerge a desqualificação jurídica do uso de áreas de vegetação demarcadas para proteger os recursos naturais? E a opinião da ciência? E o alinhamento com os novos conceitos de mudanças climáticas e Sustentabilidade?

São questões que podem desqualificar ainda mais, como o próprio processo científico, a exemplo, “do como se relacionar as ciências ambientais com as jurídicas”. Representa perda formal da lógica ambiental histórica. Outra complexa questão: “É capaz de absorvê-las em uma ideologia comum em favor dos direitos difusos e coletivos, construindo um novo juízo de valor balizado na ética?”

As respostas a estas e outras questões suscitam, muito provavelmente expondo a legitimidade da ciência ao retrocesso ditatorial da 'tutela' patronal e irrestrita do lucro pelo lucro.
Será que terá razão aqueles que (virão) 'afirmarem' que o Direito Ambiental não é mais que um direito de reagrupamento?

Considerações Finais

Voltemos à Agricultura Familiar. Este segmento agrícola é uma estrutura indissolúvel porque está referendada na existência de pessoas e grupos que se realinham com a função social e ecológica da terra, renovando-se continuamente, ao refutar os preceitos de uma agricultura patronal – não porque não o querem, mas porque possuem uma lógica interna, psicológica até.

Sabem os agricultores familiares da importância da água, do solo orgânico, da simbiose entre a vegetação natural e as suas culturas, fauna, flora e formas de vida. A lógica interna da agricultura familiar – ou de propriedades até quatro módulos fiscais – subsiste num juízo de valor mais amplo, propriamente humano. Estes agricultores precisam de referências técnicas, investimentos, escoar seus produtos, mas são sabedores da importância do solo e da água, assim como da vegetação nessa cadeia ecossitêmica.

Vale destacar - ainda mais, que a proposta de reforma do Código Florestal já é um tema que se antagoniza aos preceitos da ciência, valendo discussões para explicar tal improcedência reversa às comunidades de ensino e pesquisa. Ou será que os juízos de valores, em se tratando de direitos difusos e coletivos, não são a maior prioridade das distintas sociedades?

A lógica interna da Agricultura Familiar sobreviverá.
Ao resto das questões vale uma reflexão mais lógica.

Citações

BERGAMASCO, S. M. P. P., Sistemas Agroalimentares: análises e perspectivas para a América Latina. Campinas-SP: Ed. Unicamp, 2003.

CARVALHO, Carlos Gomes. Introdução do direito ambiental. São Paulo – SP: Ed. Letras e Letras, www.letraseletras.com.br, 2001.

DENARDI, Reni Agricultura Familiar e Políticas Públicas: alguns dilemas e desafios para o desenvolvimento rural sustentável.

A realidade dos assentamentos por detrás dos números
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141997000300003&script=sci_arttext


Questões no desafio a bons projetos ambientais


A proposta, desenvolvimento e exequibilidade de um 'Projeto Ambiental' esbarra sempre na necessidade de estudos contínuos e alinhamento entre a equipe técnica. Na atual realidade ainda são grandes os desafios de se implementar um bom projeto ambiental. Algumas proposições são enumeradas, para auxiliar sugestivamente nossos leitores, indo à melhoria em projetos de sucesso.

1) a qualidade do projeto = Um concreto projeto ambiental precisa estar situado na sua função diante dos conceitos e legislação. A que se propõe? Ou seja, um sério e criterioso projeto ambiental requer sólida equipe e compromissada coordenação, ao propósito do objetivo do mesmo. Se é um Estudo de Impactos Ambientais, um Plano emergencial de ações, um Licenciamento ambiental, ou ainda um Projeto de pesquisa, acadêmico, um Plano de manejo agroecológico, um Plano de gerenciamento dos recursos hídricos, entre outros. O objetivo do projeto e o grupo de trabalho estarem coesos à exequibilidade e metodologia de ações. Isto é fundamental.

2) tratar as interações com os órgãos ambientais = Infelizmente a questão ambiental ainda não encontra sintonia de eficiência nos respectivos órgãos ambientais. Isso varia de região para regiões, assim como das características de funções nos órgãos ambientais. Nota: é oportuno destacar que a educação, a saúde, a segurança também são ineficazes em muitas realidades. Por isso tratar o tema ambiental como um desafio é tão atual quanto. Logo, durante o desenvolvimento de um projeto ambiental, é necessário prever uma logística, tempo, assim como um 'coeficiente de segurança' em prol do objetivo ambiental. Produzir documentos compatíveis às interfaces com os organismos ambientais vigentes.

3) rever conceitos e paradigmas = a maioria das escolas de graduação em meio ambiente são muito novas, com planos pedagógicos e de trabalho desconhecidos. Assim, aprofundar os elementos de um projeto em suas diretrizes conceituais é oportunamente necessário. Da mesma forma, interpretar devidamente os instrumentos legais e associá-los ao escopo do projeto. Definir adequadamente como será feito o diagnóstico, indicadores utilizados, formas de levantamento de dados e equipamentos e metodologias com respaldo técnico e científico.

4) a comunicabilidade = etapa fundamental e mormente falha em projetos. Um dos grandes avanços da legislação ambiental é justamente preconizar a 'gestão participativa' - envolvimento dos distintos segmentos das comunidades. Dar garantia, usar métodos corretos, produzir informações acessíveis e divulgar o projeto em linguagem própria aos segmentos que se está direcionando. Há quem diga que se um projeto ambiental não funcionou é porque não houve um bom processo de comunicação.

Estes são alguns pontos estratégicos para, enquanto profissional, estar atento na concepção de projetos ambientais.